Columbófilia na feira de Espinho.

 

Dizem os antigos que há mais de 70 anos que na Feira de Espinho semanalmente se vendem pombos-correio. Passo a narrar um facto verídico relacionado com a venda de pombos na Feira de Espinho, que quis o destino viesse a mexer com tudo que tem a ver com a columbofilia portuguesa actualmente.

Não se trata de fantasia, a narrativa que vou descrever é real e uma pura verdade. 

A um puto talvez com os seus 8 ou 9 anos de idade foi um dia oferecido um pombo. Esse rapaz tinha recentemente mudado de casa, saiu da casa dos avós onde sempre tinha vivido com a mãe, o pai trabalhava no estrangeiro, para viver numa freguesia vizinha terra natal do pai.

Continuou no entanto a frequentar a escola primária na terra dos avós percorrendo diariamente a pé os 5 km de distância. Obviamente que quase diariamente passava por casa dos avós que adorava, onde sempre houve pombos, mas que nunca lhe tinha despertado qualquer interesse.

Quis o destino que numa dessas visitas á casa dos avós um dos seus 7 tios que era columbófilo á sociedade com outro senhor lhe oferecesse um pombo. O rapaz nada interessado em pombos, mas para não contrariar o tio meteu o pobre animal numa caixa de cartão e rumou a casa com a intenção de quando lá chegasse o soltar novamente. Não gostava mesmo nada de pombos.

Ao chegar a casa foi confrontado com um pedido de esclarecimento pela mãe sobre a proveniência do pombo. Foi o tio Antonio que me ofereceu, respondeu o puto. Hoo.. disse ela, deixa – o na cozinha que eu preparo – o para a ceia logo á noite.

Nessa época era normal por vezes comer carne dos pombos que habitavam no palheiro em casa dos avós, qualidade de carne que o puto detestava. Não gostava do paladar.

Ao ouvir a sentença da mãe logo pensou. Comer carne de pombo? Nem pensar. Momentos mais tarde aproveitando uma distracção da Mãe abriu a caixa deixando o pombo escapar no interior da cozinha que tinha a porta e janela aberta por onde o feliz pombo escapou. O puto foi ao pátio viu o pombo a voar a ganhar altura e desaparecer. 

Bem te disse para deixares o pombo dentro da caixa, agora o tio vai ficar chateado ao saber que não aproveitamos o pombo, disse a mãe em tom irritado. Mãe respondeu o puto, o tio não me deu o pombo para comer mas sim para ficar cá em casa.

A senhora mãe olhou o puto de lado, dizendo ao mesmo tempo. Não me digas que esse “vagabundo” está a tentar meter – te o vício também?

O puto foi sincero quando respondeu á mãe que não se preocupasse porque não gostava de pombos e foi direito ao quarto para fazer os trabalhos escolares de casa, não sem pensar, safei a vida ao pombo e safei – me da seca de o ter que comer.

Passadas algumas horas, ao cair da noite aconteceu um “milagre” que viria a fazer parte da história, o pombo neste caso uma pomba, era uma fêmea cor pedrada, regressou á casa do puto onde tinha estado apenas algumas horas fechada dentro de uma caixa de papelão.

Foi a Mãe do puto que a detectou á porta da cozinha, chamou o rapaz perguntando, não é este o pombo que o teu tio te deu? O pobre rapaz boquiaberto não queria acreditar no que os seus olhos estavam a ver, mas que pombo estupido pensou, tentei salvar – lhe a vida e ele regressa aqui para ir direito ao taxo.

Olha mãe vamos deixa – lo ficar no sótão que eu amanhã quando for á escola levo – o e entrego- o novamente ao Tio. Está bem, respondeu a mãe, faz como quiseres mas o pombo não fica cá.

No dia seguinte o puto levou o pombo para a escola, como não podia entrar com ele na sala de aulas, colocou a caixa em cima do tronco de uma árvore na área de recreio com a intenção de o levar a casa dos avós, a um km de distância, após as aulas.

Porem os planos saíram gorados, porque logo após o toque da campainha a anunciar a hora de recreio, a caixa foi detectada pelos outros putos, caiu ao chão e mais uma vez o pombo escapou.

Bem pensou o puto, já está a salvo no pombal do tio e não pensou mais no pombo.

No final das aulas percorreu os 5 km até casa onde chegou como sempre cansado mas feliz, esse puto adorava a escola e os estudos.

A Mãe estava a trabalhar no campo, tinha como sempre o fazia, deixado o almoço na mesa, sentou – se para comer e para seu espanto ao olhar para a lareira lá estava a fêmea pedrada com o rabo de rasto como que a pedir alguns grãos de milho. Pobre diabo vai mesmo acabar no tacho, pensou o puto enquanto a tentava amedrontar para que fugisse, mas ela nem se mexeu, só queria brincadeira e os grãos de milho que se seguiram, mais tarde o tio do puto confessou que a tinha oferecido por ser muito dócil com as pessoas e não ligava muito aos machos viúvos, então o método praticado por praticamente todos os columbófilos que á excepção de uns poucos que praticavam o natural, ninguém mais voava com fêmeas nessa época.

A fêmea acabou por ir para o palheiro e ficar em casa até que o tio, irmão da mãe do puto, a viesse buscar, pois era hábito ele visitar a casa do puto aos domingos.

No domingo seguinte, o puto já com outras intenções, quando o tio chegou relatou - lhe toda a historia na presença da mãe.

Após uma troca de olhares entre os irmãos ficou decidido que a fêmea podia ficar, mas era importante encontrar um parceiro para ela, que o tio não tinha pois os machos estavam todos a concursar.

Assim sendo, disse a mãe eu amanhã tenho que ir á Feira de Espinho (realiza – se sempre ás segundas – feiras) e compro lá um pombo para lhe fazer companhia.

No dia seguinte o percurso de 5 km entre a escola e a casa foi percorrido em tempo record pelo puto que chegou a casa antes de a mãe regressar da feira, o que veio a acontecer logo de seguida carregando a senhora um macho cor lilas (russo) também portador de anilha oficial do mesmo ano. Olha que me custou dois e quinhentos, (hoje equivalente a pouco mais de um cêntimo em euros) que vai sair da tua mesada semanal, disse - lhe a mãe.

Mãe exclamou o puto, não faças isso porque eu tenho que pagar a rifa dos meus sapatos. A juventude certamente desconhecerá que nesses tempos muitos compravam os seus sapatos através de uma rifa paga semanalmente ao domingo ao cobrador, que por coincidência também era columbófilo, até que, caso a sorte batesse á porta com o numero sorteado os sapatos ficavam pagos, os menos afortunados pagavam até ao fim um preço um pouco superior ao valor real dos sapatos.

Era esta então, graças a esta invenção, a fórmula mais fácil de adquirir um par de sapatos, mas não foi por aí que os putos de então deixaram de ser menos felizes. Os tempos eram outros diferentes mas belos.

O macho lilás o “Russo” como ficou conhecido, no ano seguinte trouxe as maiores alegrias ao puto, pois ganhou todas as apostas nas provas em que participou, nunca permitiu que qualquer outro pombo no lugar onde participavam 9 ou 10 columbófilos, regressasse ao pombal á sua frente.

As apostas eram então uma sandes de queijo com marmelada e um pirolito a fornecer pelo café local. O puto ainda hoje recorda com saudade as muitas sandes comeu e ofereceu aos outros putos porque não as conseguia comer todas, graças ao Russo comprado na Feira de Espinho.

Foi tal o impacto que o Russo teve entre os interessados pela columbofilia no lugar, que o puto com 10 anos resolveu escrever ao pai, a trabalhar em África, e pedir autorização para que o espaço no piso inferior da casa em que vivia, pudesse ser usado como local de encestamento por todos no lugar, pois os pombos vinham a ser encestados ao ar livre á porta do café, á chuva e ao sol, e posteriormente transportados á cabeça por mulheres até á colectividade mais próxima que era então na freguesia de Fiães situada a quatro km de distância.

Foi graças ao puto, que até não gostava de pombos, que os primeiros encestamentos colectivos na freguesia de Lobão tiveram lugar, e na sua própria casa. Mais tarde, já o puto tinha abalado, foi criada a Sociedade Columbófila de Lobão que ainda hoje existe.

Pouco tempo depois o puto partiu para África, a sua Senhora Mãe já partiu para um lugar melhor, assim como o Tio António Silva, a quem dedico este artigo também partiu há meses atrás.        

Agora talvez se possa compreender melhor o motivo por que os senhores da federação odeiam tanto os feirantes e em particular Feira de Espinho.

Sem ela, o puto, hoje um velho conhecido por Inácio Oliveira, nunca teria abraçado a columbofilia e aí não duvido que outro galo cantaria para esses senhores.

Maldita feira que lhes estragou os planos.

A narrativa que acabo de publicar é 100% real, e pode ser confirmada por vários colegas felizmente ainda vivos, entre outros recordo um, de nome Alípio Amável de Freitas residente no mesmo lugar e freguesia.

Em 1988 quando regressei a Portugal rapidamente me apercebi que a Feira de Espinho era o ponto de encontro de eleição para os columbófilos nortenhos.

Não estarei a exagerar se afirmar que na década de 90 e 2000 e mesmo depois, às segundas – feiras mil ou mais columbófilos passavam pela Feira de Espinho por vários motivos: aproveitavam para comprar as rações e suplementos na Casa dos Cereais ali ao lado, vendiam e compravam pombos aos feirantes (Galinheiras), conviviam e petiscavam uns com os outros nas tascas locais. A Feira de Espinho era então a feira da columbofilia. 

Era normal apreciar os principiantes misturados e disfarçados na multidão atentos aos campeões da época que aí iam vender os pombos com 5 ou mais anos de idade ou aqueles que não tinham dado provas do valor ambicionado.

Esses pombos na maior parte dos casos não ficavam em poder da “Galinheira” mais que 5 minutos pois eram imediatamente arrebatados pelos vizinhos desses campeões. Milhares de columbófilos talvez nunca o tivessem sido, não fosse o convivio e rivalidade saudável que sempre existiu naquela feira. 

Tudo tem um fim, que pena.  

Podia relatar aqui mil e uma histórias, sobre os columbófilos e a Feira De Espinho que dura há mais de 70 anos.

Os senhores da federação que pretendem aniquilar a sua concorrência no comércio da venda de pombos não necessita de chegar a um ponto tão baixo.

Tereso, vai e faz o que tens a fazer, mas deixa esses pobres em paz, que muito ou pouco até estão a contribuir com os seus impostos para que tu e os teus colegas possam derreter em farras passeios e paródias.

Com tanta coisa para fazer perder tempo e gastar recursos com esta kaka, só mesmo pessoas do vosso nível.

Até ao momento desconhece – se, se algum pombo confiscado nas feiras em Gaia e Espinho tenha sido furtado.  

Inácio Oliveira.

Noticias CIC, Lobão 31 – 05 – 2012